Pesquisas multidisciplinares, energia fotovoltaica e bioquerosene estão entre as tendências
Com a pandemia, cientistas passaram a fazer lives e postagens nas redes sociais para atender à ânsia da população em obter informações confiáveis. Se antes esses mesmos cientistas falavam uma língua difícil, agora tentam simplificar, mostrando que Ciência não é um bicho de sete cabeças, pode até ser discutida com o vizinho – basta ver quanta gente passou a conversar, com naturalidade, sobre assuntos como teste RT-PCR, por exemplo. E a tendência de melhorar o diálogo entre cientistas e sociedade deve permanecer, segundo avaliações de quem atua na área em Minas Gerais.
Janayna Bhering, gestora de Negócios e Parcerias da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), ligada à UFMG, criou um canal no YouTube com outras duas mulheres do setor de CT&I em Minas: “O canal Inovação em Pauta existe para falar, de forma descomplicada, sobre a Ciência aplicada, que é a Inovação. Trazemos casos reais e mostrando que inovação faz parte do nosso dia a dia. Tudo que está ao nosso redor teve, ou tem, alguma tecnologia aplicada, em maior ou em menor grau.”
Também a partir da pandemia, surgem como tendências a implementação de ações para conectar cientistas aos movimentos de comunicação popular – os quais tiveram papel essencial na disseminação de informações sobre Covid-19 em comunidades carentes; para fortalecer redes de troca de informações entre pesquisadores; e para garantir pesquisas multidisciplinares, envolvendo especialistas de diversas áreas, dentro das universidades, para que busquem juntos as soluções.
“A UFMG e outras universidades estaduais já participam de redes, por exemplo, há duas iniciativas, uma nacional e outra internacional, de Universidades Promotoras de Saúde. Há ainda a rede Movimento Minas 2032, conectada aos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, e redes focadas em temas como a mineração”, diz Débora d’Ávila Reis, pesquisadora e diretora de Divulgação Científica da UFMG.
“A multidisciplinaridade é fundamental, a pandemia deixou muito claro que todos ganhamos com estudos feitos dessa forma. Ninguém pesquisa mais nada sozinho”, reforça Cristiana Ferreira Alves de Brito, secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em Minas Gerais (SBPC-MG).
Bom potencial
Entre as áreas mais promissoras para o estado, está a de produção de vacinas. Minas é forte em soluções na área de Biotecnologia, em geral, com muitas relacionadas a doenças como dengue e chikungunya. O setor de energias renováveis, em especial a fotovoltaica, é apontado como estratégico a partir de investimentos na região do Jequitinhonha-Mucuri, uma das melhores do Brasil em incidência solar. A produção de bioquerosene para a aviação é destaque, inclusive com possibilidade de focar na exportação.
“É importante que haja uma ação conjunta e o Proálcool é uma boa referência para entender isso. No passado, para diminuir a dependência brasileira de importação do petróleo, foram envolvidos no mesmo projeto a academia, o governo e os empresários, e chegou-se à produção de etanol veicular e do carro a álcool”, assinala Paulo Sérgio Lacerda Beirão, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Ciência da Computação, Inteligência Artificial, IoT, tecnologias ligadas ao grafeno, a nanotubos de carbono e à mineração – com viés sustentável – também são áreas promissoras, assim como aumentar a eficiência da agricultura tradicional e explorar novas culturas. “Até vinte anos atrás ninguém conhecia o açaí, era uma ‘coisa’ exótica do norte do Brasil e hoje o mundo todo quer esse produto. Em Minas, temos potencial para fazer o mesmo com produtos nativos. Há várias patentes de produtos alimentícios usando frutos, por exemplo, da região semiárida. É preciso apoiar essas pesquisas e esse é o nosso papel. Estamos com a capacidade de atuação limitada, mas aos poucos isso está sendo superado”, diz o presidente da FAPEMIG.
Desafios
Oportunidades mapeadas, há que se trabalhar para superar desafios, como o de garantir mais recursos públicos para pesquisas e abrir possibilidades para que o setor privado possa financiar estudos relacionados à inovação. E ainda: “A implementação de uma política pública permanente, que não mude conforme os governos, para garantir recursos de forma perene para pesquisas, é essencial, assim como uma maior atenção às medidas para conectar pesquisadores ao setor industrial”, diz o diretor-presidente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), Marco Aurélio Crocco.
O pró-reitor de Pesquisa, Inovação e Pós-graduação do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Fernando Braga, concorda: “Precisamos de previsibilidade no fomento, saber que no ano que vem aquele edital virá de novo.”
O estímulo em MG para que crianças e jovens, especialmente do sexo feminino, sigam a carreira científica, é outra pauta a ser priorizada, além de mais incentivos a pesquisas em instituições do interior de Minas.
“Sou muito otimista. Há um movimento apontando para uma outra Ciência em Minas Gerais – uma Ciência mais conectada com as demandas da sociedade e que busca soluções em conjunto”, conclui a diretora de Divulgação Científica da UFMG.